3.13.2010

Poemas para a aula de Exploração do Processo Criativo:

Eu, etiqueta

Carlos Drummond de Andrade

Em minha calça está grudado um nome

que não é meu de batismo ou de cartório

um nome... estranho

Meu blusão traz lembrete de bebida

que jamais pus na boca, nesta vida.

Em minha camiseta, a marca do cigarro

que não fumo, até hoje não fumei.

Minha meias falam de produto

que nunca experimentei

mas são comunicados a meus pés.

Meu tênis é proclama colorido

de alguma coisa não provada

por este provador de longa idade.

Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro

minha gravata e cinto e escova e pente

meu copo, minha xícara

minha toalha de banho e sabonete

meu isso, meu aquilo,

desde a cabeça aos bicos dos meus sapatos,

são mensagens,

letras falantes,

gritos visuais,

ordens de uso, abuso, reincindência,

costume, hábito, premência,

indispensabilidade

e fazem de mim homem-anúncio itinerante

escravo da matéria anunciada.

Estou, estou na moda.

É doce estar na moda, ainda que a moda

seja negar minha identidade,

trocá-la por mil, açambarcando

todas as marca registradas,

todos os logotipos de mercado.

Com que inocência demito-me de ser

eu que era antes e me sabia tão diverso de outros, tão mim-mesmo,

ser pensante, sentinte e solidário

com outros seres diversos e conscientes

de sua humana ,invencível condição.

Agora sou anúncio,

ora vulgar, ora bizarro,

em língua nacioal ou em qualquer língua

(qualquer principalmente).

E nisto me comprazo, tiro glória

da minha anulação.

Não sou - vê lá - anúncio contratado.

Eu que minuciosamente pago

para anunciar, para vender

em bares festas praias pérgulas piscinas,

e bem à vista exibo esta etiqueta

global no corpo que desiste

de ser veste e sandália de uma essência

tão viva, independente,

que moda ou suborno alguma compromete.

Onde terei jogado fora

meu gosto e capacidade de escolher,

minhas idiossincrasias tão pessoais,

tão minhas que no rosto se espelhavam

e cada gesto, cada olhar,

cada vinco da roupa

resumia uma estética?

Hoje sou costurado, sou tecido,

sou gravado de forma universal,

saio da estamparia, não de casa,

da vitrine me tiram recolocam,

objeto pulsante mas objeto

que se oferece como signo de outros

objetos estáticos, tarifados.

Por me ostentar assim, tão orgulhoso

de naõ ser eu, mas artigo industrial,

peço que meu nome retifiquem.

Já não me convém o título de homem,

meu novo nome é coisa.

Eu sou a coisa, coisamente.

in O corpo, Rio de Janeiro,Record,1994


João Bandeira

TV Poema

o que é que você está vendo ?

o que é que você tá ouvindo ?

de onde você tá vindo ?

alguma coisa tá havendo

você talvez tenha sentido

como é que você vai indo ?

o que é que eu tenho com isso ?

não precisa ficar sofrendo

aonde é que tá doendo ?

você talvez tenha sentido

eu é que não tou sabendo

de qualquer maneira eu prossigo

na certa você tá prevendo

eu juro que eu tou mentindo

sente-se seja bem-vindo

aqui, as coisas vão indo

conversando é que eu não te entendo

você pode ter sentido

o que é que você tá querendo ?

já tá todo mundo sabendo

no momento eu estou parindo

o próximo já vem vindo

é do jeito que eu sempre digo

atenção! descansar ! sentido !

é que hoje eu não tou podendo

já, já, você fica sabendo

no começo já vem, tá vindo

repara só no que eu vendo

quem sabe você me revendo

isso não tá servindo

muita coisa já tá servindo

você já deve ter sentido

não vai embora

eles vem vindo

o serviço não tá rendendo

dessa vez vou ficar te devendo

agora que eu tava conseguindo

você precisa ter sentido!

você nunca fica devendo

se quiser vai ficar querendo

você precisa ter sentido!

o que é será que eu andei lendo ?

desculpe, o padrão não está subindo

o corpo ainda tá se mexendo

tem alguma voz intervindo

eu ainda acabo mal visto

minha mãe deve tar me vendo

é claro que você tá entendendo

não adianta ficar me seguindo

você talvez já tenha sentido.

E poesia feita especialmente

para o Musika


Poesia concretista:

a palavra,

o som da palavra,

a imagem da palavra

Lenora de Barros

Garotas são POP

São feitas de matéria POP

Toda garota é POP

Garotas são sempre POP

A palavra garota é POP

O som da palavra garota é POP

Ser garota é ser POP

Toda mulher já foi POP

Porque já foi garota e POP

Minha mãe já foi POP

Sua mãe já foi POP

A mãe de Madonna foi POP

Todas as mães já foram POP um dia

A garota de Ipanema é POP

Norma Jean Baker era POP

Mais pop que Marilyn que virou POP

Garotas são Barbie

A Barbie é POP

Tweeg também era POP

Tweeg e Barbie serão sempre POP

Lolita era POP

A mais pop das garotas POP

"Tudo é belo. POP é tudo."

Andy Warhol



Cláudio Laureate

Poesia? Performance? Galhofa?

Ou simples olhar sobre a vida?

Perca a aula

Perca o livro

Perca a hora

Perca a prova

Perca o prazo de entrega

Perca a caneta

Perca a régua

Perca a ocasião

Perca o trem

Perca o avião

Perca o ponto de saltar

Perca a entrevista para o emprego

Perca a vaga

Perca o medo

Perca os documentos

Perca os negócios

Perca o apartamento

Perca o sócio

Perca o telefone que tinha anotado

Perca o feriado

Perca a idéia

Perca o ideal

Perca o filme

Perca o jornal

Perca a chave da sua própria casa

Perca a causa

Perca até as calças

Só não perca a calma e o gozo

só não esqueça

aquilo que fica em cima

do seu pescoço

só não perca a cabeça...


Leitura e interpretação para a aula do dia 17/03/2010, para atividade em sala.



Um comentário:

  1. Ótimos poemas! Criativos. Quero só ver no que vai dar esse trabalho!

    Beijos me bipa!

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